O governo federal, mais especificamente por meio do Ministério dos Esportes, lançou uma proposta que tem a cara do Estado intervencionista e com a cara de um país em que tudo se resolve por meio de leis, medidas provisórias, atos institucionais e outros instrumentos que fariam os burocratas soviéticos se contorcerem de inveja.
O assunto é o tal do cartão torcedor, como claramente o leitor do F&N deve ter notado. Reproduzo a cabeça da notícia, publicada no Globoesporte.com em 16/02:
“A Confederação Brasileira de Futebol, o Ministério da Justiça, o Ministério do Esporte e o Conselho Nacional dos Procuradores vão lançar entre abril e maio o Cadastro Nacional de Torcedores para controlar o acesso de pessoas aos jogos de todas as competições no país. Outra medida prevista é um mecanismo bastante rigoroso nas vistorias e liberações dos estádios para as partidas.
O cadastramento poderá ser feito pela internet, ainda sem endereço definido. Depois disso, o torcedor receberá um cartão de identificação para que possa adquirir o ingresso da partida desejada. Além disso, servirá para que a CBF e a polícia identifique com mais facilidade as pessoas em caso de confusões.
– O torcedor será obrigado a fazer esse cadastro, que será interligado com a secretaria de segurança. Vamos ter controle de quem comprou e para qual setor em todos os estádios do Brasil. Vamos acabar também com a ação dos cambistas. Se o torcedor tiver algum problema e for impedido de entrar no estádio, o cartão será bloqueado imediatamente – explicou o promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal da Família (Jecrim), Paulo Sérgio de Castilho, um dia depois do confronto entre torcedores do Corinthians e policiais militares no Morumbi.”
Quanto à vistoria mais rigorosa dos estádios pessoalmente estou de acordo, afinal ninguém quer mais ver o que aconteceu na Fonte Nova nem tão pouco no Morumbi no jogo Corinthians x São Paulo.
As medidas mais duras contra os cambistas (fruto da ineficiência e da corrupção que reinam nas estruturas administrativas dos clubes) e contra as pessoas que promovem confiltos e confusões dentro dos estádios e no seu entorno, acredito que, se não ficar só no discurso, são válidas.
Porém, quando o assunto é criar mais um cadastro para o torcedor, além dos já CPF, RG, Título de Eleitor, Reservista, Habilitação, PIS-PASEP, conselhos de regulamentação profissional e outros que eu não me lembro a coisa muda de figura. Ora, se o cadastro da receita federal já é unificado e federal, o de registro de identificação que é estadual mas em processo nacional de integração além de outros… Qual é a necessidade de se criar mais um registro? Bases de dados já temos, só seria necessário criar formas de acesso para consultá-la e impedir a entrada de quem estiver banido do esporte, procurado pela justiça e tudo mais.
É claro, e defendo a adoção destas ferramentas, que é necessário conhecer quem são os torcedores e suas características demográficas, psicográficas etc. Mas as razões são mercadológicas; conhecer seu público ajuda na concepção e planejamento de suas atividades de marketing e de serviços para manter o consumidor por perto e consumindo; conhecer o torcedor é uma questão de mercado, não de segurança pública.
Pior que o soneto é a emenda. A reação dos clubes à medida, que é ruim à beça, teve, a meu ver, motivadores muito pouco inspiradores: as hediondas organizações piratas e violentas que chamamos de “torcidas organizadas”.
Naturalmente as torcidas organizadas serão contra, sabem que há em seus quadros pessoas elegíveis ao banimento do esporte ou punições ainda piores; além do mais ,elas dificultam, junto com os clubes, sistematicamente o cumprimento da lei que prevê assento marcado há anos e nada é feito.
Se isso é ter alguma preocupação, ou respeito, com o consumidor eu vou mudar de profissão.
Somada a incompetência dos clubes em entender qual seu negócio, a contínua extorsão das torcidas organizadas, a fragilidade do discurso do Ministério Público e dos Esportes e da corrupção que corre solta em todos esses níveis aí acima obtemos o indicador de que essa medida vai dar em nada, como em intentos anteriores.
E o público, aquele que apenas quer se divertir e consumir o produto futebol, continuará a ser destratado e, pelos números que observamos, continuará a contar com o futebol apenas como a quarta ou quinta alternativa de lazer.
Oi Robert!
Muito boa a sua análise!
É interessante entender as coisas por outra ótica, que não a de torcedora.
Quanto às organizadas, não acredito que serão contra o cadastro. Eles já são cadastrados pela Federação, farão o que for preciso.
O problema é cadastrar um cidadão que queira ir ao jogo uma vez ou outra. Certamente, muitos desistirão do Estádio… e anota aí…. futebol será a milésima opção de lazer.
Beijos
e parabéns por mais um brilhante texto!
Yule, obrigado pela costumeira participação.
Nossa idéia é sempre analisar a questão sob a ótica do negócio, visando naturalmente propor melhorias na prestação de serviços ao torcedor/cliente.
Discordamos mais uma vez quanto às questões das torcidas organizadas, que, sistematicamente, até pela continuidade de seus negócios, são contra melhorias do tipo assento marcado, etc. pois torna inviável suas “operações” em dia de jogo. Elas são contra o fim do anonimato, que lhes dá espaço para fazer o que fazem.
E por fim, certamente, mais uma etapa no processo e mais um cadastro deverão afugentar ainda mais o público, afinal, quem tem renda para consumir, em sua maioria, não tem tempo para ficar em filas d ecadastramento disso ou daquilo…as coisas tem que ser fáceis para o cliente, não entendo porque no futebol tem que ser fila do SUS.
Abraços,
Robert
By: Yule on 19/março/2009
at 6:04 pm
Além dos argumentos citados na matéria, existe também o fato de a torcida brasileira ser diferente da torcida de outros países. Por lá, compram-se carnês, existem sócios e mais uma série de “promoções” quem levam o mesmo torcedor a comparecer em consecutivos jogos.
No Brasil, além do poder financeiro reduzido e das condições precárias que já impedem o torcedor de comparecer em vários jogos, existem casos de pessoas que viajam horas para ver o jogo do seu time, e pessoas que comparecem ao estádio quando o time está forte na disputa pelo título ou quando contrata um grande jogador. Não é uma opção de lazer que faça valer um novo cadastro ao torcedor, como já citado.
Então, os torcedores de outras cidades e até outros estados, que muitas vezes comparecem em São Paulo assistir seu time, terão que fazer um cadastro pela internet (possivelmente, nem acesso a um computador ele tenha) para poder comprar o ingresso e entrar no estádio?
Não acredito que essa medida resolva ou amenize situações de vandalismo e conflitos nos estádios. O cadastro de torcida organizada não resolveu.
A realidade do futebol brasileiro é outra, o público alvo dos clubes brasileiros é outro, portanto é uma medida inviável. No dia em que se privilegiar o torcedor cliente, aquele que vai ao estádio e se comporta como cidadão, que compra a camisa do TIME e não da TORCIDA, que traz um retorno positivo, e que esse torcedor tenha condições humanas para acompanhar vários jogos seguidos, talvez nem sejam precisas essas medidas. Por enquanto, estádio de futebol (para a maioria dos clubes) é lugar para um bando de loucos que só afastam o torcedor de verdade dos estádios.
Tiago, concordo com você e obrigado pela participação; temos que conhecer e privilegiar o torcedor cidadão e configurar ofertas de bens e serviços para que ele se sinta satisfeito e volte a consumir. Em tempo, o público alvo do futebol é quase toda a sociedade, o futebol encontra apelo em todas as classes sociais, as pesquisas mostram.
Abraços,
Robert
By: Tiago on 19/março/2009
at 8:10 pm
TORCIDA_X_TALIBÃN_X_INDEPENDENTE
” o respeito q. impomos define o que somos”
AMOR INCONDICIONAL AO SÃO PAULO F . C
Você escreveu isso sozinho ou foi CTRL-C CTRL-V ? E daí? O que é impor respeito?
By: t_x_I on 19/março/2009
at 11:22 pm
Professor, excelente texto.
Quando li a primeira manchete de tal notícia que era mais ou menos assim: Ministério cria ação para punir violência e cambistas. Fiquei feliz, pensei “finalmente criarão leis que curarão diversas doenças do futebol”.
Porém, quando terminei de ler a notícia fiquei frustrado.
Uma das piores frases que li foi a que dizia que somente torcedores com idade de 16 anos ou mais podiam se cadastrar. E as crianças? Sei que muitas não vão aos estádios, mas e quando vão?
Isso é rebaixar o torcedor ao ridículo! Tenho quase certeza que não dará certo. Pois, quem ocupa o cargo do Ministério do Esporte é incompetente e nunca soube tratar de assuntos em benefício ao futebol.
E os clubes? Esses estão numa situação mais ridícula. Pra variar, nada fazem. Fingem que o assunto não é interessante.
Eles estão certos em achar que órgãos do Governo tratem de crimes.
Mas não é bem assim, deixar tudo com o Governo.
Como um dia escrevi aqui neste espaço, deve haver leis, monitoramento, inteligência e segurança garantida para os torcedores, e parou por aí. O resto como o Tiago disse acima, o clube tem que proporcionar: programa de sócios eficientes, promoções, etc.
Abraços,
*Robert, estou lendo sua tese de mestrado. Minha professora orientadora me mandou algumas sobre Mkt esportivo e no meio achei a sua…. heeheh
E gostaria de lhe perguntar uma coisa por email.
Caro Ricardo, é a eterna luta do entendimento do futebol como política pública (pão e circo) versus um produto competindo por mercado e tendo que se mexer. Prevalece a visão Estado da coisa, fila do SUS, com a qualidade dos serviços públicos.
Mando um e-mail pra você fazer sua pergunta.
Abraços,
Robert
By: Ricardo Teixeira on 20/março/2009
at 6:05 am
Troço bizarro isso.
Bom, o governo federal curte o martelo e a foice então a proposta não chega a ser surpreendente. Evidente que não funcionaria.
Pois é, Gustavo, obrigado pelo comentário……já imaginou se para comentar aqui no BLOG passassemos a exigir uma senha obtida apenas depois da remessa de cópias autenticadas do CPF, RG, título de eleitor, declaração do IRPF, Chapa do Pulmão e outras coisinhas mais ??? Acredito que deixaríamos de ter a pra lá de boa, quanti e quali, audiência que temos.
Não se preocupe, não faremos isso, somos caras de mercado e temos no DNA que o cliente vem em primeiro lugar.
Abraços,
Robert
By: Gustavo on 20/março/2009
at 10:02 am
Professor, realmente esse blog nada mais é do que uma extensão da sua aula na ESPM. Não tinha conhecimento sobre e com certeza me tornarei um leitor assíduo. o ponto de vista é brilhante sobre todos os artigos que tem escrito e com certeza acompanharei mais.
É isso, abraços!
Thiago Mori
Tiago, esse blog é de propriedade de alguns ex-alunos nossos e mais outros amigos, a idéia foi deles e fui convidado a fazer parte do time no começo deste ano.
Algumas idéias minhas são sim expressas nesta mídia, mas a participação dos demais companheiros enriquece bem mais a pauta, visite-nos sim, você vai curtir ver a coisa sob outro viés.
Abraços,
Robert
P.S. não esqueça de correr atrás do trabalho, vou cobrar.
By: Thiago Mori on 22/março/2009
at 12:26 pm
Obrigado pela resposta ao meu comentário!
Quanto ao “taliban independente” que comentou, acho que existem sites e blogs mais adequados a esse tipo de torcedor.
Um abraço
Tiago
By: Tiago on 23/março/2009
at 6:23 pm